Desporto

quarta-feira, 4 de maio de 2016

A mala

  
O Grande Banho, Pierre Auguste Renoir

 
    Vai por aí um grande alarido entre os falsos puritanos contra a denúncia implícita e explícita de alguns benfiquistas, João Gabriel, Pedro Guerra e Rui Gomes da Silva, relativamente aos incentivos monetários que parece estarem a ser oferecidos aos adversários dos encarnados por gente afeta ao Sporting. E não falta quem, não só, não veja mal nessa artimanha, como é o caso de Otávio Ribeiro, como considera esse complemento remuneratório extraordinário importante para os profissionais do ludopédio, tendo em conta as relativamente curtas carreiras, não reconhecendo correspondente desvirtuamento das competições onde militam.  
 
   A oferta de prémios monetários a jogadores de clubes em função do seu desempenho contra equipas rivais, ao que consta, foi uma prática corrente no futebol português durante várias décadas, segundo confirmaram, anos atrás, Gaspar Ramos e o  falecido Pôncio Monteiro (que Deus tenha). Uma discreta operação de bastidores, pelos vistos, de todos conhecida e sem penalização legal ou regulamentar. Hoje porém tal prática é interdita e penalizadora para quem a pratica, infelizmente, ao que parece, com multa ligeira. Pena que não dê lugar a perda de pontos.
 
   Evidentemente que não me causa qualquer estranheza que pessoas inteligentes e informadas defendam as cores dos seus clubes ou dos clubes dos seus patrões. Mas incomoda-me que tentem fazer-nos passar por parvos. Senão vejamos:
 
   Residindo a raiz da corrupção, antes demais, no coração dos homens, no caso específico  do futebol, ela é facilitada pela vulnerabilidade financeira de alguns clubes, de todos conhecida mas por todos consentida. Adiante. Um clube profissional tem obrigação de proporcionar aos seus trabalhadores e às suas famílias, dignas condições de trabalho. Se não tem, desce à categoria de amador e a questão já não se coloca. Mas compete às entidades organizadoras a verificação da condição financeira dos clubes que competem nas suas provas, a saber; LPFP FPF, UEFA e FIFA. Identificámos; défice cultural - falta de respeito pelos outros -, défice financeiro e défice institucional.
 
   Já ao jogador profissional, tendo aceitado as condições que aufere no clube que representa, compete dar sempre o seu melhor na defesa da sua entidade patronal. Rescinde em caso de quebra de contrato. Mais nada. Siga:
 
   Ora se uma entidade externa a uma equipa se intromete e premeia monetariamente os atletas da mesma pela maximização útil da sua competitividade contra os rivais daquela e estes aceitam, tal significa que todos os envolvidos reconhecem haver défice de empenho nas condições nominais. Isto não abona em favor dos profissionais em causa, nem das tais instituições, nem do "benemérito", desde logo por colocar em causa a idoneidade de todos como ainda por, potencialmente, beneficiar todos os outros adversários, que os defrontarão em condições mais favoráveis, desvirtuando, desde logo, a credibilidade da competição. Até porque muito poucos deles não disporão de meios para fazer o mesmo. Continuemos:
 
   Dando-se o caso de a entidade "benemérita" ser concorrente das equipas direta ou indiretamente envolvidas, nunca ninguém, além do círculo restrito dos diretamente envolvidos saberá o efetivo propósito de tal "dito cujo" prémio; se para incentivar maior empenho contra o adversário, se para pagar a displicência controlada no jogo entre ambos. Isto é definitivo, mas não é tudo; vejamos:
 
   O maior empenho pretendido com o "incentivo" pode não se traduzir num maior esforço para a prática de um jogo de maior qualidade, com benefício dos adeptos - que são quem, no final, acabará por pagar -, mas para colocar no terreno de jogo todas as sórdidas práticas do antijogo que por cá se vêm, como fez a equipa do Vitória de Guimarães, no recente jogo da Luz.
 
   Em conclusão e quanto a mim, este tipo de incentivos deverá ser considerado corrupção e penalizar severamente todos os intervenientes, não só no plano pecuniário como no desportivo, com severa perda de pontos, por exemplo, correspondente aos que estavam em causa nos jogos identificados.
 
   A bem do futebol, abaixo a corrupção. 

Vídeo-Árbitro

    
   Le Pont Neuf Paris, Pierre Auguste Renoir
   Apesar de anos de obstinada recusa da FIFA à abordagem do tema,  generalizou-se a discussão  acerca da  utilidade e viabilidade da utilização do vídeo-árbitro nos jogos de futebol, anunciando-se para breve as primeiras experiências oficiais na europa, talvez em Portugal. Que vai reduzir o tempo útil de jogo, dizem uns. Que as dúvidas irão sempre prevalecer, dizem outros. Que não é possível usar meios idênticos em todos os jogos, dizem uns e outros. Que é demasiado dispendioso, dizem todos. Que a discussão das dúvidas e erros fazem parte do jogo, dizem os do "stablishment". Que reduz a margem de erros das equipas de arbitragem, argumentam os mais convictos.
   Bem sei que os instalados no "status quo" não estão interessados na transparência nem na verdade desportiva. E "sei" que muitas provas são conduzidas de forma a produzir resultados pré-estabelecidos de acordo com as lógicas de poder vigentes. A teia de interesses associada ao futebol vai da finança à política e às economia formal e informal. Por tudo isso a resistência será forte e prolongada, mas tem de ser vencida, sob pena de inexorável declínio deste desporto e frustração dos seus adeptos, com repercussões sociais imprevisíveis.

   Considero que o uso do vídeo-árbitro pode ser de grande utilidade e de simples aplicação, sem prejuízo do tempo útil de jogo. Eis como vejo o processo: o árbitro tradicional continua a ser soberano no jogo e decide quais os lances relativamente aos quais necessita de informação complementar. O árbitro auxiliar de serviço ao vídeo intervirá por solicitação do árbitro principal indicando-lhe a sua interpretação do lance em causa ou alertá-lo-á para incidentes ocorridos fora do seu campo de visão. Este toma a decisão definitiva e manda seguir o jogo. A diferença relativamente à situação atual é que deixa de haver a desculpa da falta de visibilidade ou da excessiva rapidez do lance, reduzindo drasticamente a margem de manobra dos "artistas" do apito, uma vez que tudo ficará registado. Obviamente que a eficácia deste processo restringe-se a certo tipo de lances; das linhas de baliza e da grande-área, do fora-de-jogo, do jogo violento com e sem bola, da marcação dos penaltis, enfim, os que o árbitro principal decidir, condicionado a tempos de decisão limitados. O processo desenrolar-se-ia passo a passo em vários países europeus que trocariam informações e conclusões entre si, com supervisão da UEFA e da FIFA.
   Se é verdade que há sorte e azar no jogo, também é certo que só as vitórias merecidas, produzem no adepto o fascínio que o atrai, sustenta e desenvolve a indústria do futebol e o pacifica com a vida.
   Já ontem era tarde.