Desporto

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Contos Proibidos, de Rui Mateus; curiosidades IV

Considera Mateus que o herdeiro do 25 de Abril teria sido Sá Carneiro se  tivesse criado um partido social-democrata conforme a filosofia política que professava. Efetivamente, a enorme popularidade de Sá Carneiro e da sua Ala Liberal resultavam da permanente agitação política que promoviam no âmbito da Assembleia Nacional, exigindo, entre outras coisas, uma nova constituição conforme a necessidade de democratização do regime. Infelizmente, o Partido Comunista, com uma estrutura solidamente implantada, tendo infiltrado o movimento dos Capitães e algumas altas patentes das Forças Armadas - mais de metade dos Capitães, Tenentes e Sargentos, pensavam como o PCP e seguiam as suas instruções - rapidamente tomou conta das operações, com a preciosa ajuda do então ingénuo e oportunista Soares e o seu PS, e de Spínola, mais habituado à disciplina e aos salamaleques militares que aos jogos políticos.
 
Vejamos o que diz Mateus:
 
Uma simples análise dos factos demonstraria que a impreparação dos liberais, o colaboracionismo inicial dos socialistas, a dispersão e pavor da direita, e a pavorosa mediocridade política do General António de Spínola terão sido os fatores que conduziram à supremacia dos comunistas, a qual em matéria de organização política, rapidamente se tornou evidente. Esta supremacia organizativa induziria inúmeros militares "politicamente analfabetos", de repente convencidos dos seus gloriosos actos revolucionários e das promessas de um futuro pleno de fortuna e glória, ao seu alinhamento com o PCP....
 
Pouco se conhecia a respeito da personalidade de Rosa Coutinho, apesar de bem visto pelos americanos após um curso que frequentara naquela país. Costa Gomes, que posteriormente viria a ser aliciado para o campo comunista, atingindo mesmo o mais baixo grau de subserviência ao dar cobertura às atividades da estratégia soviética através do Conselho Mundial da Paz, era inicialmente parte do establishment ocidental, tendo mesmo sido ele o primeiro a propor o general Spínola para presidente da Junta.
 
Segundo Mateus, a inclusão de Soares no primeiro governo provisório, apesar das reservas de Spínola, teria ficado a dever-se a Raul Rego  "distinto jornalista socialista", enquanto a insensatez da inclusão de Cunhal no mesmo parece ter sido imposição de Soares, com o propósito de abrir caminho à pasta dos estrangeiros que tanto necessitava para se promover internacionalmente, apesar da desorganização do partido, e de nele haver dirigentes melhor preparados para o efeito, como eram os casos de  Francisco Ramos da Costa e Manuel Tito de Morais. Contudo, Rui Mateus, atribui ainda maior responsabilidade a Spínola e à direita, nomeadamente a Freitas do Amaral e a Sá Carneiro, aquele por ter influenciado a aceitação de Cunhal, este por ter se ter deixado arrastar por Spínola. Certo é que, tal "boa vontade" decorrente da ingenuidade coletiva do espírito de Abril lançou o país nos braços do PCP e da União Soviética, deixou o mundo ocidental perplexo com destaque para a  Escandinávia, Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos, comprometendo a participação de Portugal na Nato, cuja proposta de expulsão chegou a ser equacionada por alguns parceiros, o que teria constituído grave humilhação e o regresso ao tão propalado "orgulhosamente sós", agora de sinal contrário.
 
Entretanto, o Partido Comunista, através de Manuel Serra e do MES procurava infiltrar e controlar o Partido Socialista, que se encontrava sem direção efetiva, enquanto o dinheiro "chovia" nos cofres das fundações socialistas proveniente do "movimento sindical norueguês" , do PSD da Dinamarca, do partido social-democrata sueco, da fundação Ebert, de Kadhafi e até da Venezuela, entre muitos outros impossíveis de determinar em virtude da total ausência de escrituração dos mesmos, prática, pelos vistos, ainda hoje em voga em Portugal, em virtude da alegada opacidade das leis da transparência do financiamento partidário.
 
Mais uma vez, tem a palavra Rui Mateus;
 
Vinte anos após o 25 de Abril, ao ser preso por alegado desvio de fundos públicos, o ex-presidente da Venezuela Carlos Andrés Perez, declararia que uma parte desses fundos teria sido entregue a Mário Soares. Foi a primeira vez que eu ouvi falar do assunto, que foi confirmado à agência Lusa por uma fonte não identificada do Palácio de Belém.
 
Quanto a mim, fiquei elucidado acerca das causas remotas da proximidade que existiu entre o último governo Socialista de Portugal e o da Venezuela de Chavez; uma questão de velhas e perpétuas solidariedades entre famílias políticas, afinal, o PS nunca renegou a sua matriz marxista. 

Contos priobidos, de Rui Mateus; curiosidades III

Ficamos a saber, preto no branco, que, segundo Mateus, Mário Soares, só não foi ministro de Marcelo Caetano porque este o convidara apenas para deputado da Ação Nacional Popular, o que nos leva a  supor que, ou as convicções "patrióticas" de Soares seriam algo aligeiradas ou, efetivamente, este, via no marcelismo, uma brisa primaveril, tal como, afinal, os dirigentes sociais-democratas nórdicos de então.
 
Pelos vistos, o financiamento de Mário Soares exiliado em Paris, além de consultor do Banco d'Outre mer de Manuel Bullosa e de professor na Universidade de Vincennes, contava também com o contributo, embora modesto, do Governo Sueco, do malogrado Olof Palme, o qual em 10 de Julho de 1973 teria anunciado um apoio financeiro à Frelimo de 5 milhões de coroas. Palme, já aos 22 anos, enquanto Secretário da União de Estudantes Suecos, promovera uma bolsa de estudos para africanos tendo sido Eduardo Mondlane, fundador da Frelimo de quem viria a tornar-se grande amigo, um dos primeiros beneficiários, em 1949. Por mim, não suspeitava da dimensão da influência na política africana e europeia do pequeno e simpático país social-democrata sueco, como aqui se vislumbra.

Por altura da fundação em 19 de Abril de 1973, o Partido Socialista não teria mais de cinquenta filiados em todo o mundo, razão pela qual o SPD alemão não acreditava na massificação do PS nem na queda do regime português. 

Decisivo para a afirmação internacional de Mário Soares e o isolamento do regime de Marcello Caetano parece ter sido o massacre de Wiriyamu em Moçambique, por altura da visita deste a Inglaterra, contestada pelos trabalhistas britânicos, que chegaram a pedir a sua anulação. Não refere Mateus o alegado episódio relatado na época pela RTP que ainda recordo, segundo a qual Soares, a título de protesto, terá espezinhado publicamente a bandeira de Portugal, atitude que jamais lhe perdoarei; combater um regime é uma coisa, humilhar uma Nação é outra bem diferente. Até a atual constituição qualifica de crime atos deste tipo.

Diz Mateus:

O Partido Socialista com os seus cinquenta militantes e o seu acordo de governo com o Partido Comunista, iriam ser, sem o imaginarem, e sem terem para isso contribuído, os grandes beneficiários da miopia do sucessor de Salazar e da revolta militar que culminaria com o 25 de Abril.

Sobre Manuel Bullosa:

 http://www.infopedia.pt/$manuel-boullosa;jsessionid=G4olM1Ux4-9VbsYvMYa1Cw__
 

Contos Proibidos, por Rui Mateus; curiosidades II

Rui Mateus disse:
 
"Segundo Tito de Morais, todas as respostas que eu procurava estavam contidas no livro que era forçoso ler e divulgar, de Vitorino Magalhães Godinho, "O Socialismo e o Futuro da Península". Vitorino Magalhães Godinho era considerado em 1970, o "nosso teórico" mas, curiosamente, acabaria por cair praticamente no "esquecimento". Não será alheio a isto, mais do que o seu radicalismo, a sua oposição a Mário Soares, que ele considerava "não ter uma ideia consistente"....
 
"A precursora do Partido Socialista não tinha qualquer passado histórico. Nascera na década de 60 um pouco como quem regista uma patente por iniciativa de um grupo de conspiradores e de "operacionais" na sua maioria ligados à Maçonaria, e de alguns teóricos ligados ao PCP, como foi o caso de Salgado Zenha e do próprio Vitorino Magalhães Godinho. A evolução teórica do movimento mais de três décadas após a sua constituição, é assim essencialmente caracterizada mais por razões empíricas de conveniência dos seus operacionais do que pelas teses dos seus "ideólogos" ou pelos princípios doutrinários que emanam do socialismo democrático."...
 
A entrada (da Ação Socialista Portuguesa) na Internacional Socialista ter-se-á verificado em 1972, tendo sido o Partido Socialista fundado em 1973 em Bad Munstereifel, na República Federal da Alemanha sob os auspícios da Fundação Friederich Ebert, uma poderosa instituição de lobbyng através da qual a Alemanha promove os seus interesses por esse mundo fora, descobrindo e financiando aliados influentes.
 
Refere Mateus que, subsistia nos dirigentes do Partido Socialista um complexo de inferioridade relativamente ao PC, que os levava a fazer declarações mais para agradar à esquerda festiva pequeno-burguesa sem qualquer "noção dos acontecimentos históricos em que participavam", defendendo o Marxismo como "inspiração teórica predominante" contra qualquer tentação "social-democrata". Mário Soares parece ter sido, então, o fundador do conceito de "socialismo democrático", que lhe haveria de custar o menosprezo dos parceiros nórdicos, e que consistia numa sociedade onde os meios de produção seriam coletivizados ao serviço de todos, enquanto os poderes de decisão seriam democraticamente controlados pela base. Tal parece ter sido a razão do entendimento da necessidade de subalternização relativamente ao Partido Comunista por parte dos dirigentes Socialistas, com destaque para Mário Soares, que só não teria acontecido devido à "miopia" de Álvaro Cunhal e seus correligionários e não à oposição lúcida daqueles.
 
Mateus atribui aos socialistas e restantes forças democráticas de então o fracasso do estabelecimento de uma democracia em Portugal em 1945, pela incapacidade de relacionamento internacional, que teria conduzido o Partido Comunista à quase exclusiva implantação e que a tem inviabilizado. Exilado em França com o apoio económico do industrial Manuel Bullosa a título de serviços de consultadoria, influenciado pela plataforma unitária Mitterrand-Marchais, Mário Soares passaria a advogar o estabelecimento de um "contrato político" com o Partido Comunista dando lugar a um "pacto de governo", em reunião clandestina e restrita realizada em Paris em Setembro de 1970 entre os dois partidos. E foi este equívoco que esteve - está -, na génese das vicissitudes que ameaçaram e ameaçam a viabilidade do atual regime. À ingenuidade da adesão ideológica dos primeiros tempos, sucedeu o interesse estratégico, disfarçado de tolerância, apresentando-se o Partido Socialista perante a população, com a paradoxal função de charneira política, o inviável fiel da balança; simultaneamente, a esperança da contenção do avanço comunista e a esperança das progressivas conquistas socialistas. Um logro, afinal. Seria, por sinal, Salgado Zenha, o primeiro a perceber e denunciar o perigo da colonização comunista, opondo-se veementemente à unicidade sindical, o que lhe valeria o afastamento progressivo do velho amigo Mário Soares e uma posição cada vez menos relevante no partido, até à autoexclusão. Zenha não vendeu a alma. Honra lhe seja.